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Um símbolo verde-amarelo

Atualizado: 31 de mar.

Leandro Antonio de Almeida


Publicado originalmente em Carta Fundamental, São Paulo, p. 30 - 33, 01 fev. 2013



“Tem o seu destino as bandeiras: pela manhã, o exército lhes fazia continências: à tarde, eram largadas, talvez, a um canto escuso do quartel. Ontem, paládio sacro santo do patriotismo, a quem foram feitos os juramentos mais solenes; hoje, pedaço de pano, que o soldado teve de abandonar e de esquecer”. Essas palavras melancólicas do monarquista Eduardo Prado, ao relacionar a mudança da bandeira à substituição de governo em 15 de novembro de 1889, captam como um símbolo nacional pode perder seu poder de mobilização. Como disse o historiador José Murilo de Carvalho, ao contrário de outros símbolos cuja adoção pela população é imprevisível, o uso obrigatório da bandeira torna-a interessante para analisar as disputas pelas representações nacionais. Afinal, são mobilizadoras de sentimentos e valores em torno de uma comunidade imaginada como “nação brasileira”.


Vigente por 67 anos sem grandes modificações estruturais, a bandeira imperial enrolada nos quartéis não tinha substituta. A mudança relativamente inesperada de governo com o golpe militar que proclamou a República em 1889 deixou um vácuo simbólico e, para supri-lo, adotou-se a bandeira de um clube republicano que era cópia adaptada da norte-americana. Essa não era a única em circulação: um ano antes o jornalista e ativista republicano Júlio Ribeiro também se inspirou na bandeira estadunidense para compor sua versão, justificando-a pela novidade: “[a bandeira] ainda não tem tradições: a nós, cumpre-nos criar-lhe'as, honrosas, invejáveis”. Outros projetos apresentados após à mudança do regime, como do jornalista e ativista republicano Silva Jardim, também expressam a vontade de mudança radical ao apagar as referências do período imperial. Para todos eles, a reformulação da bandeira era o primeiro passo para recriação da sociedade em novos moldes.


Primeira nação independente no continente, os Estados Unidos eram uma importante inspiração aos republicanos pelo seu federalismo e igualitarismo, referência para as críticas contra o centralismo e hierarquização da sociedade monárquica brasileira. Nesse aspecto, atendiam às reivindicações dos fazendeiros do oeste paulista, interessados em manter na província os impostos gerados pela expansão do café. Todavia, para desgosto daqueles republicanos oriundos das camadas médias urbanas, norteados pela utopia do governo para o povo inspirada na Revolução Francesa, a apropriação do modelo americano, adotado pela constituição de 1891, acabou por restringir a participação popular nas eleições e nas decisões políticas nacionais.


A inspiração simbólica norte-americana não foi vitoriosa na bandeira porque sofreu oposição de outro grupo importante que lutou pela república, os positivistas. Difundido entre os militares, sobretudo membros das escolas técnicas, advogavam o progresso científico, com ideal de sociedade meritocrática, e político, o que significava substituir a monarquia. A ênfase na influência francesa e num governo forte e intervencionista levavam-nos a ver com horror as propostas inspiradas nos Estados Unidos. Daí que, ao verem hasteada a nova bandeira brasileira, rapidamente elaboraram um projeto próprio, aprovado pelo governo provisório através de decreto em 19 de novembro, sendo justificado na imprensa pelo líder positivista Teixeira Mendes.


Ao manterem a forma e as cores da bandeira imperial acrescidas da faixa “Ordem e Progresso”, seguiram os preceitos do fundador Augusto Comte. Para ele, na transição das fases das sociedades, as bandeiras antigas deveriam ser mantidas, colocando-se uma versão reduzida do lema da doutrina “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Um projeto de lei atualmente tramitando na Câmara deseja restaurá-lo ao propor a inclusão da palavra “amor” na bandeira. Mas para Teixeira Mendes o lema estava adequado por representar a harmonia almejada por todo brasileiro entre dois princípios sociais e orientações políticas, conservador e revolucionário.


Assim que ganhou as ruas e repartições, a bandeira positivista foi alvo de sátiras pela oposição, que a chamava de “Marca Cometa” pela semelhança com o logotipo de uma marca de vinhos e licores finos da época. O escritor Artur Azevedo também a satirizou no conto “O Velho Lima”, quando colocou na boca de uma personagem sua opinião sobre a enquete das ruas: “Também eu [prefiro sem lema]; não sei o que quer dizer bandeira com letreiro”. Além dos gracejos, a bandeira oficial foi alvo de críticas, a primeira delas de um jornalista anônimo denunciando que a nação não deveria ter o lema de uma seita, opinião endossada por Santos Dumont, que em seus voos substituía a bandeira por uma flâmula verde-amarela ao homenagear a pátria. Uma das mais famosas críticas foi escrita por Eduardo Prado em 1890, direcionada às incorreções históricas e astronômicas.


Nesse contexto, outros projetos de bandeira foram propostos. Em 1892 o deputado Oliveira Valadão propunha que o brasão de armas da República ficasse dentro da esfera azul. Com o regime já estabelecido, em 1908 os deputados Wenceslau Escobar e Eurico Góis procuraram representar a história do país retomando elementos da bandeira imperial junto com símbolos republicanos. Todos tentaram resolver as questões incômodas da bandeira positivista, mantendo o desenho e as cores, modificando apenas os símbolos do miolo. O consenso em torno do formato básico é um sinal de que a postura de ruptura radical dos primeiros tempos já tinha arrefecido.


Ferrenho crítico da bandeira positivista, Eurico de Góis viveu o suficiente para propor outro projeto em 1933, no contexto da euforia renovadora após o golpe de outubro de 1930, quando a história do país foi reescrita e os símbolos nacionais revisitados para se adequarem à nova República. A partir de uma mobilização pública, a comissão responsável pela nova Constituição apreciou novos projetos de bandeira, decidindo pela antiga: “Não importa que o lema seja sectário. Ele representa hoje a tradição da República. Fiquemos, pois, com a tradição”. Como tantas outras propostas de modificação feitas até hoje, os projetos de Eurico Góis não tiveram força para se concretizar.


Afinal, na década de 30 a expansão do sistema educacional aliada à difusão do nacionalismo levou Getúlio Vargas a retomar a exploração sacralizante da bandeira brasileira para aglutinar as massas, consolidando-a no imaginário popular. Durante o Estado Novo, o símbolo nacional foi colocado em altares junto da foto do ditador, na capa das cartilhas ou livros escolares, e distribuído durante os desfiles cívicos. A mesma fórmula para forjar uma identidade nacional foi utilizada fartamente pelos governos militares após 1964, que já dispunham de outro meio para difundir a bandeira, a televisão e as paixões esportivas como o futebol.


Tal sacralização continua a ser realizada pela sua exposição nas repartições públicas, eventos cívicos, propagandas e competições esportivas televisionadas como as Olimpíadas ou Copa do Mundo, que o país sediará em breve. Em momentos tensos ela também cumpre o seu papel. Após a ocupação do complexo do Alemão pelas forças de segurança em novembro de 2010, e da Rocinha pela polícia do Rio um ano depois, a primeira medida tomada foi o hasteamento da bandeira do país, para a qual se cantou o hino nacional. Fartamente reproduzidas nos noticiários das televisões e sites, as imagens da bandeira tremulante no alto dos morros simbolizavam o “final feliz” de uma narrativa jornalística, a luta entre o bem e o mal encarnada por policiais e traficantes. Com isso, davam um recado à população do local e aos telespectadores: os territórios e os moradores estavam integrados ao Brasil.


Mas no imaginário político a escola continua a desempenhar um papel educativo tão importante quanto a TV. Não por acaso a presidente Dilma sancionou em 2011 a lei 12.472, apresentada em 1999 pela senadora Luzia Toledo, obrigando a inclusão dos símbolos nacionais como temas transversais nos currículos do Ensino Fundamental. A iniciativa pode ser interessante se abordarem criticamente os símbolos nacionais como a bandeira, seu hino, seu dia comemorativo, o hino nacional e as datas comemorativas. Todos são produtos de lutas simbólicas, e podem ter significados diferentes conforme o contexto, as finalidades dos que a representam e sentimentos mobilizados no espectador. Afinal, como bem expressou Eduardo Prado ao ver a derrocada do Império, a bandeira brasileira se torna um pano colorido com um desenho mudo se colocada fora do conflituoso tecido social que lhe dá vida.


Em sala

O primeiro passo é fazer uma análise histórica das bandeiras. Como símbolos que mobilizam o olhar, considere a organização dos elementos visuais como cores, formas, tamanhos, figuras e seus significados. O infográfico pode servir como ponto de partida. Como a bibliografia arrola bandeiras desde o condado portucalense até a atualidade, em um projeto amplo o professor pode trabalhar na longa duração, percebendo como símbolos e cores vão se mantendo ou ganhando novos significados ao longo dos séculos; ou aprofundar na república brasileira, analisando como os projetos expressam opiniões dos sujeitos sobre a política e sobre a nova sociedade.


Pode-se também pesquisar imagens de quadros, charges e outros suportes visuais que representem as bandeiras. Pode-se também analisar as bandeiras do estado, do município ou mesmo da escola. Além da análise imagética, uma pesquisa histórica pode incluir projetos alternativos, mapeando sua história do ponto de vista dos significados, das lutas políticas e simbólicas pelo seu estabelecimento. Por outro lado, o professor pode se concentrar nas variadas apropriações, finalidades e modificações atuais da bandeira nacional feitas na política, esportes, movimentos sociais, propagandas e pela população.


Outra variação, lúdica, consiste num concurso para atualizar a bandeira do país. Pode ser feita uma atividade interdisciplinar com artes. Divida a classe em grupos, cada qual responsável por elaborar um projeto visual da bandeira no qual todos os elementos precisam ser justificados. O professor pode nortear a atividade com perguntas: Qual o significado de cada cor e forma? Quais símbolos ou figuras expressariam a realidade do país ou a identidade dos brasileiros na atualidade? Vocês retomariam elementos das bandeiras anteriores, disponíveis no infográfico? Pode-se optar por escolher a bandeira mais votada ou elaborar uma nova a partir dos elementos sugeridos pelos grupos, procurando-se identificar as percepções dos jovens acerca dos elementos que representam a atual realidade do país.


Saiba Mais

CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República

no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

COIMBRA, Raimundo Olavo. A bandeira do Brasil: raízes histórico-culturais. 3a

ed. Rio de Janeiro:IBGE, 2000.

LUZ, Milton. A História dos Símbolos Nacionais. Brasília: Senado, 2005

REDIG, Joaquim. Nossa Bandeira: formação, usos, funcionalidade. Rio de

Janeiro: Fraiha, 2009.

SEYSSEL, Ricardo. Um Estudo Histórico-Perceptual: A Bandeira Brasileira

sem Brasil. Dissertação (Mestrado), Instituto de Arte, Unesp, 2006.



Capa de "O Mequetrefe", Rio, 17.nov.1889. Observe que a bandeira republicana assemelha-se à bandeira dos Estados Unidos.










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