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O Método Zaba para o Ensino de História Universal

Atualizado: 5 de out. de 2022

Leandro Antonio de Almeida



Atualizado em 19/06/2022



Como Citar: ALMEIDA, Leandro Antonio de. O Método Zaba para o Ensino de História Universal. Roda de Histórias, 2022. Disponível em: https://www.rodahistorias.pro.br/post/metodo-zaba



Figura 1

Apesar de parecer o tabuleiro de um jogo, por mais inusitado que pareça, a imagem acima é de um material didático que integrava, no século XIX, um método de ensinar História, o Método Zaba. Ele já foi mencionado por pesquisadores como Circe Bittencourt e, mais recentemente, Magno Santos, mas, até o momento, desconhecemos uma descrição que sistematize seus materiais e dinâmicas de ensino. Tratar dele permite analisar a história escolar de determinado período para além dos livros didáticos e de leitura, mostrando formas inusitadas de abordagem ou solução para a questão de como e porque difundir história para público não especializado.

O método Zaba era uma variação do que ficou conhecido no Ocidente do século XIX como método mnemônico polonês, o qual, a partir de 1830, foi adotado pelo governo da França como sistema de ensino de História. Exilado na Grã-Bretanha, enquanto militava pela independência polonesa, Napoleon Félix Zaba (1805-1885) desenvolveu uma versão própria do método nos anos 1840 e, a partir de fins dos anos 1860, deu conferências sobre ele em diversos países como Estados Unidos, Argentina, Austrália e Nova Zelândia. Aportou no Brasil entre junho de 1870 e setembro de 1871, e deu palestras no Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, Salvador e Recife. O próprio Imperador D. Pedro II assistiu uma de suas conferências, gostou do que viu ao ponto de mandar comprar exemplares ou kits do método e remeter às províncias para apreciação.

Antes de comentá-lo, é preciso entender que, no século XIX, a História Universal tinha mais prestígio que a história do Brasil, já que as elites se entendiam como europeus na América. E aprender história significava memorizar fatos, personagens e datas. É uma concepção ainda presente no senso comum sobre a profissão, embora hoje tenhamos avançado em outras direções. Ao contrário do que se imagina, nem tudo era memorização feita após a leitura de um texto, quase sempre de um livro didático. Se a memorização era um problema a ser enfrentado, os vários métodos procuravam maneiras de facilitar esse processo. Por exemplo, havia o método catequético, de perguntas e respostas. Ou aquele adotado por Joaquim Manuel de Macedo, conhecido pelo romance “A Moreninha”, e também foi autor de um livro didático de sucesso que propunha a memorização a partir de textos, vocabulário explicativo, perguntas e quadros sinóticos.

O método Zaba enfrentava a mesma questão de como facilitar a memorização e lembrança de fatos históricos, apostando também na visualidade. Sua base era um quadrado grande subdividido em cem quadrados menores, dispostos em dez linhas e dez colunas (10 x 10). O quadrado grande representava o século e os menores um ano (figura 1). Na era cristã, o quadrado do canto superior esquerdo representa o ano 1, e o do canto inferior esquerdo o ano 100. Essa contagem era invertida séculos anteriores a Cristo. Tomando como base a linha central horizontal e vertical, destacadas com linhas mais grossas, era possível localizar rapidamente qualquer ano. Bastava ver a posição, próxima ou distante da linha central, para localizar o ano (de 1 a 10) e somar o número de linhas acima na mesma coluna para saber a década (0 a 90).

Por sua vez o quadrado do ano era subdividido em nove compartimentos, e seu preenchimento permitia conhecer o fato histórico a partir de três códigos sobrepostos. Cada um dos nove compartimentos indicava um “tema” ou tipo de evento (1º código) cujo significado dependia do seu preenchimento a partir de símbolos (2º código). Os símbolos eram poucos, mas seu significado variava conforme o compartimento em que aparecia (figura 2). As cores (3º código) indicavam as nações a que se referiam o tema (figura 3). Por fim, o método vinha acompanhado de uma “chave”, uma lista de nomes e acontecimentos para cada século, que completava informação e dava sentido ao fato.


Figura 2


Figura 3

Como funcionava o estudo a partir dessa estrutura? Materialmente, o método era composto de 2 diagramas referentes a duas eras, antes e depois de Cristo (para este ver figura 5 abaixo), com cada século preenchido com símbolos e cores; diagramas em branco, voltado a exercícios; uma caixinha com vidros de diversas cores e tamanhos, para o mesmo fim; e um livro explicando o método com a “chave” em anexo. A partir desse material, o estudante escolhia um século para estudar, observava as cores, retirava os símbolos correspondentes da caixinha e tentava reproduzir nas folhas em branco, um a um, os fatos e sua ordem conforme o diagrama de referência. A ordem dos procedimentos era: primeiro designar a cor pertinente à história ou nação, depois a fileira indicativa da década, seguido da casa indicativa do ano (referente à linha central), e terminava em um dos nove compartimentos. Faria isso até completar todos os fatos de um século, e repetiria o procedimento para todos os outros. Nesse esquema, a localização no quadrado grande do século indica a data, nos nove compartimentos o tipo do evento, e a cor a nação. Por exemplo:

No primeiro século (veja o mapa histórico) três cores são necessárias: preto, para a História do Império Romano; Azul, para a História da Igreja Cristã; vermelho, para a História Britânica. Um diagram do primeiro século, preenchido com símbolos, é colocado diante dele [do aprendiz] com uma chave, dando a explicação do seu significado e os nomes dos eventos. (…) Primeiro, que cor? Um preto, pequeno – em que linha? [Primeira.] Está do lado direito da linha central (a contagem, é claro, é feita da esquerda para a direita). E como a menção aos números deve ser suprimida, logo devemos dizer uma [casa] além da linha central. Agora, em qual compartimento? Segundo compartimento. Seu significado? Conquista. Cor preta? História Romana; leia-se: uma conquista foi feita pelos Romanos. Precisamos agora saber: qual conquista? A chave fornece o nome: Judeia. O nome está ligado ao símbolo, e sua leitura estará completa: uma conquista foi feita pelos romanos da Judeia. O número da casa? 6, no ano 6. (ZABA, 1874, p. 7-8, grifos do autor, tradução nossa)

A representação, no diagrama, da conquista romana da Judeia no ano 6 d.C. levaria ao preenchimento do segundo compartimento da sexta casa da primeira linha com um quadrado de cor preta, tal como mostra a figura 4 abaixo. O estudo completo de todos os séculos da era cristã levaria a um diagrama preenchido tal como na figura 5:


Figura 4 – simulação do preenchimento do método Zaba

Figura 5 - mapa dos dezenove séculos da era cristã preenchido

Os fatos representados nos compartimentos mostram que o foco do ensino é a história dos Estado-Nação, com predileção pela política, expressa nas ações institucionais e mudanças de soberanos, ou pelos assuntos militares que (re)definiam os territórios. O código de cores explicita que Estados eram esses: sobretudo estados europeus. A América é indicada marginalmente, com a cor dourada. São complementados pelas civilizações das quais os europeus se consideravam herdeiros (a greco-romana e a judaico-cristã). A única outra civilização que aparece nessa história é a muçulmana, bastante relevante na Europa por meio do Império Otomano. A divisão dos séculos expressa nas chaves aponta uma história de quatro mil anos, com vinte e quatro séculos “Antes de Cristo” e dezenove “Depois de Cristo”. Mistura a história sagrada, católica, e história profana, comum nas escolas brasileiras do período, guiada por uma narrativa em que os continentes ou povos do globo aparecem em função da sucessão de impérios e civilizações que culminaram na Europa. No século XIX, nem todo passado era digno de figurar sob a prestigiosa rubrica da História, com H maiúsculo, seja em relação à temática, seja geopolítica, e por isso as partes da América, África e Ásia fora desse esquema narrativo são ignoradas, submersos nos quadradinhos em branco.

A principal peculiaridade do método Zaba é sua apresentação. A memorização de datas, pessoas, lugares e acontecimentos ocorre a partir de um código visual altamente abstrato. Palavras (nomes e acontecimentos), algarismos (anos e séculos) e a própria orientação temporal estão subjacentes, invisíveis, prescindindo também de desenhos e pinturas. Relembrar depende da interpretação desse código visual e, por isso, o início do ensino do método é dedicado à sua automatização. O objetivo era levar o olho do estudante “navegar” rapidamente pela contagem do tempo e pela História, como em um tabuleiro. Para quem não domina o código, a matriz torna-se ininteligível. Foi a sensação de professores cursando o mestrado profissional de História da UFRB, em 2019 e 2020, quando apresentamos o método em aulas sobre materiais didáticos de História adotados no passado. Mas, no século XIX, depois das explicações de Zaba, parecia vantajoso a quem o ouvia, por permitir “tornar visível o tempo, de sorte que cada ano de cada século, pode ser examinado em separado nos habilita a ver todos os fatos contemporâneos, e o que é mais importante, habilita-nos a ver a ordem em que eles se sucedem.” Na feliz imagem de um comentarista baiano, tinha a pretensão de ser um mapa-múndi histórico.

Moda educacional no início dos anos 1870, alguns professores e alunos tentaram adaptá-lo à História do Brasil embora, quando a República foi proclamada, já tivesse desaparecido das escolas, sendo esquecido. Sua concepção de tempo, de sociedade, de fato, de História e seu ensino, pluralizadas e questionadas ao longo do século XX e XXI, são datadas para nossos padrões, sobretudo por negar e renegar histórias africanas, negras e indígenas. Talvez reste sua inusitada mobilização da visualidade, contemporânea dos primeiros esforços na publicidade e das máquinas do século XIX para captar a atenção, desenvolvidas ao paroxismo nos atuais meios massivos de comunicação e tecnologias digitais. Estes não apenas concorrem com as aulas pelas mentes e corações dos jovens, como fundamentam iniciativas didáticas, como jogos e aplicativos, cuja base pedagógica ecoa perspectivas instrutivas da época de Zaba.

Por isso, seu método pode colocar em perspectiva e ajudar a questionar nossas próprias concepções e esforços ao apontar a tensa articulação das diversas dimensões de qualquer material didático. O método Zaba mostra não só uma possibilidade inusitada de ensinar e visualizar o tempo histórico no século XIX, como sua adesão aos paradigmas historiográficos e pedagógicos do período. A mesma tensão pela qual passamos hoje, no campo relativamente recente de pesquisa aplicada, nas graduações, PIBIDs e mestrados/doutorados profissionais. Podemos nos abrir à experimentação histórica, didática e até artística, sem deixar de visar os fins atuais do ensino de história e sua contribuição para formação de uma sociedade mais democrática, socialmente justa e livre de preconceitos excludentes de diversas ordens. Maneiras esquecidas de contar as perspectivas históricas que queremos superar também apontam a possibilidade de novas formas de contar, representar e ensinar as histórias renegadas que desejamos recuperar.



Saiba Mais:

BITTENCOURT, Circe. Livro Didático e Saber escolar 1810-1910. Belo Horizonte: Autêntica, 2008

SANTOS, Magno. ‘Maior somma de factos históricos, elucidados com mais methodo’: Américo Braziliense e a invenção do espaço paulista na escrita da história escolar. (1873-1879). Almanack, Guarulhos, n. 29, 2021

ZABA, Napoleon Félix. Zaba’s Method of Sudying Universal History. Montreal: M. Magnus & Co, 1874. Disponível em: https://archive.org/details/cihm_29713. Acesso em 2/5/2019.


Aproveito para agradecer os professores Marco Antonio Nunes da Silva (UFRB) e Pablo Iglesias Magalhães (UFOB), pela ajuda com fontes sobre o método Zaba.

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