Guerra, intolerância e mobilizações na Bahia
Sob esforços dos comunistas, a entrada do Brasil na 2ª Guerra mobilizou a população nas cidades baianas e gerou perseguição aos descendentes de alemães, italianos e japoneses.
Por Geferson Santana, bolsista PIBEX do Cahl / UFRB
E-mail: gefsdj@hotmail.com
Orientador PIBEX: Leandro Antonio de Almeida
Orientadora acadêmica: Lucileide Costa Cardoso
Publicado originalmente no LEHRB em 10/04/2013
“A guerra não é desta ou daquela nação, que por um outro motivo foram envolvidas, mas sim de todos os países, cuja tarefa urgente é aniquilar o poderio fascista”. Este tipo de sentimento, presente no artigo “Chegou o momento de passarmos a ofensiva” do comunista baiano Mario Alves e publicado pelo jornal baiano O Líder de outubro de 1942, é uma síntese dos sentimentos que mobilizaram os diferentes grupos sociais (homens, mulheres e jovens) da Bahia e reuniram forças com o Brasil a fim de aniquilar o nazifascismo do mundo. Nas palavras do historiador baiano Luiz Henrique Dias Tavares a sociedade baiana participou intensamente das mobilizações para a guerra, onde somadas às demais forças de outros Estados do país conseguiram contribuir para o enfraquecimento do nazifascismo no mundo.
O Nazifascismo e a 2ª Guerra Mundial
O termo nazifascismo (nazismo+fascismo) significa a junção do nazismo na Alemanha e fascismo na Itália. Benito Mussolini na Itália liderou o movimento chamado de fascismo, considerado de extrema-direita, antiparlamentarista, antissocialista, antiliberalista, anticapitalista, de cunho antissemita e que pensou em dar ao Estado um caráter orgânico. Os anos de 1920-30 foram os momentos em que este movimento esteve em processo constante de fortalecimento contando com a colaboração política dos grupos de direita, dos conservadores nacionais e da burguesia financeira.
Com o fortalecimento, o modelo de governo fascista italiano se expandiu para outras partes do planeta. Mas o que deve ser considerado é que o modelo italiano adotado por outros países da Europa e das Américas adequou-se às realidades culturais desses territórios, surgindo daí a pluralidade tão debatida pelos pesquisadores: os fascismos. Dentre eles, o mais famoso foi o alemão. Em 1933, Hitler ascendeu à condição de chanceler da Alemanha e passou a reunir forças para construção de um imaginário anticomunista, antissocialista, antissemita e de um Estado total, onde o líder (fürer) sob a aprovação do povo levaria a nação ao progresso condigno de uma raça ariana (pura). Tal ideologia de perseguição não ficou apenas no campo do imaginário, ela se tornou realidade por meio das práticas de perseguição, sendo a mais trágica delas o holocausto, morte de milhões de judeus nos campos de concentração.
No Brasil, o período Vargas teve fortes relações com o fascismo. O governo de Getúlio Dorneles Vargas se iniciou em 1930, com um golpe militar que destituiu o então presidente do Brasil Washington Luís. Isso ocorreu devido à não eleição do candidato Vargas nas eleições de 30, tendo como vencedor o candidato apoiado pelo governo, Júlio Prestes. Este fato ficou conhecido como Revolução de 1930. O fato que é Vargas ficou no poder por 15 anos seguidos, de 1930 a 1945. Em setembro de 1937, o presidente implantou um novo sistema de governo, que ficaria conhecido como Estado Novo forjado num caráter de massa.
Para a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, o governo de Vargas tinha características marcantes do fascismo europeu como “a idéia de um Estado forte, a personificação do poder central, a crítica à democracia parlamentar, a luta contra a pluralidade de partidos, o combate às ‘idéias exóticas’, a adoção de uma política imigratória anti-semita”, além da censura e da repressão. Muitos partidos políticos neste governo viveram na clandestinidade, a exemplo do Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja tentativa de golpe em 1935, explorada pela propaganda governamental, favoreceu a implantação do Estado Novo. A criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) em 1939 foi a expressão fiel da censura no país.
Nessa mesma época, atitudes beligerante dos governos fascistas europeus levaram a uma Guerra que tomou proporções mundiais. Ela teve início na Europa com a invasão relâmpago da Polônia pela Alemanha, em 1º de setembro de 1939. Na guerra, alemães e soviéticos uniram-se por meio de um pacto assinado no mesmo ano, iniciando alargamento da marcha de dominação e subjugação do povo e território poloneses. Neste momento, os periódicos (jornais e revista) de Salvador e do interior apenas anunciavam os principais acontecimentos de guerra.
Diante dos acontecimentos de guerra na Europa, qual era a posição do Brasil? A posição era de neutralidade. Entre 1939 a meados de 1942 a política do governo brasileiro era de não intervenção no cenário mundial. Cuidadoso, o governo do presidente Vargas cuidou de agradar a estadunidenses (EUA) e alemães. O empréstimo que os EUA fez ao Brasil para a construção da primeira usina hidrelétrica e que na visão de Vargas proporcionaria a industrialização do país se tornou um percalço, mas a entrada dos norte-americanos na guerra devido aos bombardeios japoneses na base naval de Perl Harbor no Havaí, em 07 de dezembro de 1941, foi o início da pressão de declaração de guerra dos brasileiros e de seu governo aos eixistas.
O mês agosto de 1942 marcou o início do rompimento das relações entre Brasil e Alemanha e o estreitamento dos laços com os Estados Unidos, levando o governo a declarar guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e anunciar apoio incondicional aos Aliados (Estados Unidos, França e Inglaterra). Tudo indica que as relações diplomáticas e comerciais com os alemães e a afinidade com o fascismo italiano eram barreiras para a declaração de guerra do lado dos Aliados.
Com os bombardeamentos dos navios brasileiros supostamente por um dos integrantes do Eixo, houve um surto de nacionalismo e pertencimento local e regional no Brasil. O mais interessante é que qualquer tipo de levante ou manifesto não era tolerado. A política varguista era autoritária e continuou sendo até quando o ditador saiu do poder. Uma das contradições do período é que, com a declaração de guerra, o presidente excitou os brasileiros à luta contra o Eixo.
Movimentações de guerra na Bahia
Na Bahia o resultado foi uma verdadeira agitação dos diversos grupos sociais, incluindo jovens, mulheres e crianças, a ponto de articularem manifestações em frente ao gabinete do interventor Ladulfo Alves, forçando-o a aparecer na sacada e apresentar um discurso sobre sua solidariedade ás vitimas dos bombardeamentos aos navios brasileiros.
Os anos iniciais de guerra foram marcados de oposição dos comunistas ao Vargas, chegando estes a estipularem que o ditador era colaborador do nazifascismo no Brasil. A partir de dos 1941-42, os militantes comunistas adotam a política da “União Nacional” presente nos discursos do presidente. Entretanto o PCB continuou na clandestinidade. Os estudiosos do período acreditam que os comunistas e outras facções políticas usaram aquele momento do Brasil e do mundo para lutar em prol da democracia em um governo de prática repressiva, ditatorial e que usava a censura como controle das expressões de pensamento e da ação.
Os comunistas, nos bastidores, foram a “força matriz” para a articulação do movimento anti-nazifascista adotado em grandes proporções pelos estudantes da capital e depois do interior baiano. Não é exagerado falar que os diversos comícios realizados em vários bairros e no Centro de Salvador em prol do fortalecimento do sentimento anti-nazifascista e da solidariedade aos Aliados teve a articulação deles. Também não podemos deixar de mencionar os “não comunistas” que contribuíram para o movimento de guerra.
As intolerâncias, os sentimentos de pertencimento a uma nação e a um Estado geraram mobilizações constantes, e foram presenciadas pelo interior da Bahia. Cidadãos e cidadãs do interior da região Recôncavo como Maragogipe, Cachoeira, São Félix, Muritiba e Amargosa se alistaram em prol a solidariedade de guerra. Varias regiões do interior foram palco dos movimentos anti-nazifascistas liderados pela União da Bahia pela Defesa Nacional, Comissão Central Estudantil pela Defesa Nacional e Pró-Aliados, Legião de Médicos pela Vitória, Sociedade dos Amigos da América.
As mulheres e os jovens participaram intensamente das movimentações de guerra. A historiadora baiana Consuelo Novais Sampaio relata que “as mulheres engajaram-se, corpo e alma, nessa campanha. Organizaram muitas sessões no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia para ensinar ‘senhoras e senhorinhas da sociedade’ a tricotar meias e agasalhos de lã”. Muitos mantimentos e roupas foram enviados aos combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que se encontravam em missão militar na Itália com o intuito de livrar aquele país da dominação nazifascista.
Os jovens também não foram poupados dos esforços de guerra e, de fato, muitos desejaram ser o “cidadão jovem de guerra”. A Campanha dos Metais e Campanha da Borracha Usada esteve sob a tutela da juventude baiana durante todo período beligerante. Os resultados das coletas eram forjados pela imprensa a fim de estimular a juventude no engajamento e, consequentemente, aumentar a jornada de trabalho nas coletas de materiais usados pelas ruas da Bahia. Os jovens foram forças importantes na alimentação do setor de metais e borrachas usados para a construção armas e equipamentos de guerra.
A juventude baiana teve uma educação pré-militar no contexto da Segunda Guerra Mundial, e um Decreto-Lei requeria que todas as escolas com mais de 50 alunos entre a faixa etária de 12 e 16 anos fossem educados desse jeito. Com a incerteza quanto ao término da guerra, ao chegarem a idade adulta, os jovens já estariam preparados para a guerra caso esta ainda não tivesse terminado. O coronel da VI Região Militar, Renato Onofre Pinto Aleixo, convocou todos os diretores das escolas baianas, incitando-os a por em ação a lei decretada pelo governo brasileiro.
Enquanto os jovens estavam sendo preparados para a vida militar, os homens com idade para serem convocados já estavam em fase de recrutamento. Explica Consuelo Novais Sampaio que mais de 600 soldados baianos foram encaminhados para o Rio de Janeiro em maio de 1944 e, na presença de autoridades do país, alguns foram sorteados para integrarem a FEB. Os comunistas e estudantes baianos Jacob Gorender e Ariston de Andrade foram voluntários na luta os nazistas e fascistas na Itália e, ao retornarem no final da guerra (setembro de 1945), foram recebidos como heróis baianos da guerra.
Ao retornar do exílio no Uruguai, o escritor baiano comunista Jorge Amado engajou-se na luta contra os países do Eixo em Salvador, e logo foi convidado a integrar o corpo da redação de O Imparcial pelo escritor Wilson Lins, alimentando a seção “”Hora da Guerra”. Em seus escritos neste jornal, Jorge Amado traçava as atrocidades cometidas pelos nazistas e fascistas para estimular a população baiana (da capital e interior), brasileira e das Américas a “sentir o ódio que eles mereciam”. A chegada de Jorge Amado na Bahia foi uma soma no fortalecimento do movimento em constante crescimento contra os integrantes, adoradores e colaboradores do Eixo.
O sentimento de repulsa a qualquer eixista e seus descendentes se alastrou pela Bahia e demais Estados brasileiros. A historiadora baiana Maria Helena Chaves Silva relata as perseguições sofridas pelos descendentes de alemães, italianos e japoneses na Bahia. Os acontecimentos de 1942 excitaram a população baiana a se revoltarem contra eles nos movimentos antifascistas, e muito se incentivou a prática xenofóbica, com preconceito contra todos os descentes dos países eixistas, especialmente da Alemanha.
Inúmeras foram as ações e tentativas de fazerem-nos pagar pelos estragos feitos pelos alemães aos navios da Bahia, não se resumindo apenas a nível material e financeiro, mas também humano, ocasionando morte e agressões contra alemães e italianos. Descreve Maria Helena Chaves que, em 11 de março de 1942, foi publicado o decreto Indenização por Atos de Agressão, uma das medidas tomadas contra os eixistas e seus descentes na Bahia/Brasil. Este decreto tinha o poder de registrar e confiscar bens de alemães, italianos e japoneses. A historiadora baiana explica que as indenizações e o “confisco de bens pertencentes aos súditos alemães e italianos” foram as maneiras encontradas para recuperar os bens destruídos pelo bombardeamento dos navios brasileiros.
De 1943 a 1945, os alemães não apenas teriam depredadas suas fábricas de charutos Danneman do Recôncavo, Salvador e demais filiais espalhadas pelo Estado. Por causa do estigma, foram remanejados para várias cidades dos interiores previamente selecionadas, como se fossem doenças perniciosas. Hitler estava criando na Europa, com a ajuda de seus colaboradores, campos de concentração para os judeus, e na Bahia a intolerância foi também praticada contra os alemães, japoneses e italianos. As cidades do interior da Bahia se tornaram campos de concentração para eles e seus descentes.
Contraditoriamente, antes da entrada do país na guerra, não há relatos de constantes perseguições e agressões aos italianos, espanhóis, alemães, japoneses e seus descendentes. Esses sentimentos de ódio aos eixistas nascem de uma investida dos intelectuais que os apontavam como perigos à nação e a paz do mundo. No caso de Jorge Amado, era ódio declarado. Até meados de 1942, a política de Getúlio Vargas era de estigmatização dos estrangeiros e negação de abrigo a judeus perseguidos pelos governos nazifascistas da Europa e da América. A intolerância foi uma das características presentes no perfil do governo brasileiro, demonstrando assim a sua face fascista e desumana.
Em 02 de maio de 1945, a queda do sistema de governo nazista em Berlin causou uma comoção na Bahia, e uma comemoração nomeada de Carnaval da Vitória foi feita na Praça da Sé. A participação estudantil na organização do evento comemorativo mais uma vez foi intensa e teve a intermediação da União dos Estudantes da Bahia (UEB), seção estadual da recentemente criada União Nacional dos Estudantes (UNE). A partir deste momento ficou claro para o mundo que o nazifascismo não era mais uma ameaça à paz e a liberdade dos povos democráticos e no Brasil se lutaria por mais uma causa, a anistia, ou seja, a libertação dos presos políticos opositores ao governo.
O fator mais importante a ser considerado é que a guerra serviu para mostrar à sociedade brasileira as suas várias facetas e inconstâncias. Ao mesmo tempo em que temos um governo liderado por um ditador (Getúlio Vargas) afim ao fascismo europeu, que sempre teve a postura de censurar e usar a repressão para aniquilar as manifestações em prol de reivindicações democráticas, temos por outro lado, a partir de agosto de 1942, um ditador que declara guerra aos nazifascistas e passa a persegui-los até o fim da guerra em 1945. Nos anos anteriores à declaração de guerra, contraditoriamente, Vargas estava pedindo à população brasileira que lutasse em benefício da causa anti-nazifascista e do estabelecimento da paz do mundo, enquanto os comunistas do partido (PCB) ilegalizado pelo presidente eram os principais articuladores do movimento contra os nazifascistas na Bahia e no Brasil. Ao fazer isso, Vargas abriu, contra a sua vontade, portas para a luta democrática no seu governo ditatorial.
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